Entrevista exclusiva com Joaquim Tivoukou, "L'Étoile Panafricaine qui Éclaire le Grand & le Petit Écran" (em francês)

Publicado em 13/02/2025 | La rédaction

França

Joaquim é um ator franco-congolês apaixonado cujo talento ultrapassa fronteiras. Orgulhoso das suas raízes pan-africanas, interpreta papéis que celebram a riqueza e a diversidade da cultura africana. Amante do seu ofício, Joaquim investe totalmente em cada projeto, trazendo uma profundidade e autenticidade que toca o coração do público. A sua alegria de viver e o seu empenho nas artes fazem dele uma figura inspiradora, pronta a fazer brilhar a voz de África no palco mundial.

Sobre o pan-africanismo e a identidade

Jombelek: Como é que a sua identidade africana influencia a sua abordagem artística e a forma como conta histórias no palco e no ecrã?

Joaquim: Completamente. Sou natural do Congo, por isso incorporo muita cultura congolesa nos meus projectos artísticos, seja em termos de fraseado, sapologia (que se tornou muito mais democrática no continente africano, mesmo na Europa), língua (Lingala) ou música (Ndombolo, Rumba...). E o que é interessante é que o meu realizador Landry Amon é da Costa do Marfim, pelo que, por sua vez, infunde a sua cultura de Abidjan no espetáculo. No ecrã, é mais complicado se eu estiver envolvido como ator, não tenho controlo sobre o guião ou a direção, mas posso pelo menos fazer sugestões que podem ser úteis.No entanto, posso fazer sugestões que podem ser um aceno às minhas origens, como o 'tchip' ou a minha fraseologia, dependendo da liberdade que o realizador me dá.

Jombelek: Como é que acha que o humor e a realização podem desempenhar um papel na consolidação da identidade cultural e na transmissão dos seus valores?

Joaquim: O humor é uma arma que pode ser usada para apontar fenómenos sociais e injustiças, mas também pode ser ofensivo, dependendo da sensibilidade de cada um. Eu sempre preferi o bom humor ao humor que denigre. Posso gozar com um determinado grupo étnico no Congo, mas só se no final estiver a realçar a beleza da diversidade no meu país. É uma ferramenta poderosa para realçar uma cultura. Já perdi a conta ao número de sketches de comédia que me permitiram viajar sem apanhar um avião.

Jombelek: Como vê a representação das culturas africanas nas produções cinematográficas e teatrais europeias?

Joaquim: Uma visão interessada, porque qualquer filme sobre culturas africanas é suscetível de precisar do meu talento de ator. Tenho uma grande admiração por Maimouna Doucoure que, no seu filme Hawa, nos apresenta a profissão de griot através da personagem da avó, interpretada pelo grande cantor maliano Oumou Sangaré. Em comparação com dez anos atrás, as culturas africanas e caribenhas estão muito mais presentes nos filmes franceses, mas acho que ainda é muito cedo para dizer. Não posso fazer comentários sobre o resto da Europa. E no que diz respeito ao teatro, não vou ver muitas peças, mas a maior parte das peças que representam as culturas africanas são produzidas por companhias estrangeiras. Ainda há muito poucos negros no teatro para acreditar que não gostam, e no entanto, no Congo, por exemplo, adoram este tipo de espetáculo. África é tão vasta, tão rica em história, que seria uma pena perdê-la.

Jombelek: Como é que imagina uma paisagem artística verdadeiramente pan-africana à escala mundial? Quais seriam os seus pilares?

Joaquim: Bem, tive a sorte de trabalhar em vários projectos que pretendiam ser pan-africanos, seja em Marrocos, na República Centro-Africana, na Costa do Marfim ou no Gabão. Protagonizei a segunda temporada de Eki, uma série original do Canal +, e posso dizer-vos que havia pelo menos 10 países africanos representados no cenário. O melhor seria ter liberdade de circulação em África, como na Europa, para facilitar colaborações como as que experimentei. Hoje temos um grande festival chamado Fespaco, que reúne todos os países de África e da diáspora, e não podia ser mais pan-africano, embora note que nunca me convidaram, lol. É preciso que haja mais festivais deste calibre no continente. Os pilares devem ser a paz, a solidariedade e o amor, precisamos deles. Um grande pensamento para os nossos irmãos congoleses do Congo Oriental que estão a sofrer com a guerra.

Sobre a proximidade e o envolvimento local

Jombelek: Os vossos trabalhos centram-se frequentemente em temas próximos da vida quotidiana do público. Como é que conseguem manter esta ligação num ambiente globalizado? Joaquim: Os temas que abordo são universais. O amor, por exemplo, é um tema que diz respeito a toda a gente neste planeta. O meu público viaja e tem ligação à Internet, por isso também vive neste ambiente globalizado.

Jombelek: Qual a importância do seu público local na escolha dos projectos e na abordagem de temas sensíveis?

Joaquim: As minhas escolhas de projectos são influenciadas pela minha identidade de franco-congolês que cresceu em França. Baseio-me na minha experiência pessoal e nas minhas sensibilidades. No meu espetáculo, falo de amor porque está no meu ADN - sou um amante puro. Não o abordo por ser um tema mediático ou porque as pessoas que me vêm ver atuar estão à procura desse tipo de espetáculo. O mesmo se aplica aos meus projectos audiovisuais, em que me inspiro no humor afro-americano, como os irmãos Wayans e Eddie Murphy. Depois disso, estou aberto a ideias das pessoas à minha volta sobre como posso chegar a um público mais vasto.

Jombelek: Na sua opinião, como é que os artistas podem usar a sua influência para encorajar o desenvolvimento das comunidades locais e o respeito pela identidade?

Joaquim: Falando dessas mesmas comunidades nos seus espectáculos e filmes. Os festivais são boas formas de desenvolver as comunidades locais, criar emprego, aproximar as pessoas e, acima de tudo, dar a conhecer a riqueza da nossa comunidade. E não esqueçamos o poder das redes sociais, onde os artistas podem tomar posição sobre os mais variados assuntos.

Jombelek: Em que medida é que o seu trabalho integra as realidades sociais e políticas das diásporas africanas na Europa e noutros locais?

Joaquim: Os negros são a minoria mais visível em França e, no entanto, ainda estamos à espera que o cinema francês seja mais representativo. Atualmente, vejo muitos irmãos e irmãs a trabalhar para contar as nossas histórias, como Amandine Gay, Simon Moutaïrou e até Jimmy Laporal Trésor. No meu trabalho, trato da sapologia, que é um fenómeno pós-colonial, os trabalhadores Kongo contratados em Guadalupe após a abolição da escravatura. Todos os meus projectos, quer no teatro quer no cinema, envolvem personagens principais negras, o que me levou por vezes a ter alguns confrontos com amigos próximos não melanistas.

Sobre a globalização e o seu impacto

Jombelek: Num mundo globalizado em que os conteúdos viajam rapidamente, como é que se mantém autêntico enquanto alcança um público internacional?

Joaquim: É precisamente ao mantermo-nos autênticos que temos mais hipóteses de chegar a um público internacional. Porque é que os americanos vão ouvir um "French Drake" quando têm o original? As legendas em inglês são o suficiente para não se ter em conta o público internacional. Embora a minha inspiração venha em parte da cultura afro-americana, promoverei sempre a história, a língua e a elegância congolesas na minha arte.

Jombelek: A globalização é muitas vezes vista como uma ameaça às culturas locais. Como é que acha que os artistas podem transformar esta realidade numa oportunidade?

Joaquim: Convido toda a gente a interessar-se pela história do grupo Kassav.

Jombelek: Notou alguma diferença importante na forma como o seu trabalho foi recebido, seja em África, na Europa ou noutros continentes?

Joaquim: No que diz respeito ao meu trabalho em palco, não posso dizer com certeza, pois só apresentei o meu espetáculo em Paris. Mas gostava muito de poder atuar em África e no Canadá com o meu espetáculo Tonton Big Mac. E o meu trabalho como ator é muito mais reconhecido na África francófona do que em França, é um facto. E isso mede-se pelo tipo de papéis (principais) que me são propostos no continente. Posso interpretar um advogado ou um inspetor da polícia, personagens carismáticas e respeitáveis.

Jombelek: A tecnologia digital e as redes sociais alteraram a forma como cria e partilha a sua arte com o mundo?

Joaquim: Sem dúvida. Basta ver o aumento da popularidade das auto-tapes, que estão a substituir cada vez mais os castings presenciais. Nos últimos anos, tenho trabalhado em projectos que utilizam auto-tapes ou castings em vídeo. É ótimo quando o projeto é no estrangeiro, porque não é preciso pagar bilhetes. E acima de tudo, não há fronteiras - posso candidatar-me a trabalhos na China ou na África do Sul graças à Internet. Quando comecei a trabalhar como ator, costumava ver colegas com álbuns de fotografias na mão, mas agora os diretores de casting vão ver as nossas redes sociais. Temos de tornar a nossa página de Instagram atractiva, com imagens bonitas, dependendo do que procuramos como projeto. Tive de começar a editar para partilhar os meus vídeos mais rapidamente e não estar dependente de terceiros. Há pouco falei das legendas, que se tornaram indispensáveis nos vídeos.

Sobre a tua carreira e a tua visão artística

Jombelek: Qual foi o ponto de viragem na tua carreira que te fez perceber o teu papel como artista?'artista para além do mero entretenimento?

Joaquim: Quando estava a trabalhar no meu espetáculo Tio Big Mac. Gostaria de agradecer ao meu encenador Landry Amon, que me dizia que o meu espetáculo era político, quando eu só queria falar de uma parte da minha vida e mostrar o meu talento de ator em palco. Felizmente para mim, tinha convicções e ideias que me eram caras, mas não as usei como fonte de inspiração ou força motriz para os meus projectos. É preciso perceber que a personagem que interpreto, Tonton Big Mac, desafia a imagem idílica que a maioria das pessoas tem do amor, mas não deixa de ser um espetáculo que promove o amor. Não se imagina o número de pessoas que se divorciaram depois de verem o programa. Na verdade, estava muito relutante em voltar a fazer o espetáculo. Não sou ingénua, não acho que o meu programa seja a causa principal de todos estes divórcios, mas estou convencida de que foi uma chamada de atenção.

Jombelek: Como é que concilia os seus diferentes papéis de ator, comediante e realizador, mantendo-se fiel à sua linha artística?

Joaquim: Durante muito tempo, tive dificuldade em usar os três chapéus com medo de perder a coerência nas minhas escolhas artísticas. Injeto a minha representação nos meus sketches em palco e, inversamente, utilizo as minhas capacidades de improvisação nos sets de filmagem. De momento, faço o meu espetáculo numa base ad hoc, o que significa que posso sair para filmar com tranquilidade, mas gostaria de encontrar um local invulgar para fazer várias datas de Tonton Big Mac. Estou a meio do desenvolvimento de uma curta-metragem e isso, por outro lado, consome muito tempo, por isso desejem-me sorte ou que se lixe, é melhor. Mas, em todo o caso, a palavra de ordem para estes 3 chapéus continua a ser amor. Atualmente, estou a protagonizar duas séries de televisão (Eki, Manmzel NY) em que interpreto personagens apaixonadas.

Jombelek: Se tivesses de dar um conselho aos jovens talentos africanos que querem entrar no mundo do espetáculo, qual seria?

Joaquim: Dou-to quando tiver conseguido, MDR! Não, a sério, têm de se manter fiéis a vocês próprios e assumir a responsabilidade pelas vossas escolhas artísticas. Gosto muito do Instagram quando vejo vídeos de novos talentos do continente, que têm milhões de visualizações graças à sua originalidade, mas é preciso ter cuidado: os espectáculos e os vídeos são dois mundos diferentes. Para sermos bons em palco, temos de subir ao palco o maior número de vezes possível para progredirmos, superarmo-nos e, se Deus quiser, conseguirmos ultrapassar as barreiras. Conheci em vários palcos o comediante Nordine Ganso, que veio de Bordéus e fazia 3 ou 4 palcos por noite. O trabalho árduo acaba sempre por compensar. E cuidado com o plágio, há que manter a dignidade.

Jombelek: Trabalhou em vários projectos em diferentes formatos. Há algum meio que te permita exprimir-te mais livremente do que outros?

Joaquim: Sem dúvida, o palco. Tenho controlo total sobre o que quero expressar como mensagem e é mais rápido. Não tenho de editar ou esperar que a minha escrita seja publicada, apenas declamo.

Sobre a sua visão do futuro

Jombelek: O que é que o'como deve ser a indústria do entretenimento daqui a 10 anos, se quiser ser mais diversificada e permitir que tanto as maiorias como as minorias se identifiquem com uma sociedade que quer ser inclusiva e representativa da diversidade cultural?

Joaquim: Devíamos nomear o Kémi Séba para o Ministério da Cultura. Estou a brincar, claro, a imagem é forte e irreal, mas não sem sentido. Durante muito tempo pensámos que havia falta de argumentistas negros, de realizadores negros e de produtores negros, mas a verdadeira falta está no número de homens e mulheres negros proprietários de espaços culturais (teatros, cinemas, etc.).

Les petits mouchoirs, de Guillaume Canet, por exemplo, adorei, até me identifiquei por vezes com ele, e no entanto não havia actores negros no filme. Deve haver alguns actores portugueses ou bretões no elenco, mas que importa, trata-se de amizade. A indústria precisa de poder ver um negro, um árabe ou um asiático neste tipo de filmes sem ter de justificar nada. O mesmo se aplica à comédia francesa - há uma forma de a misturar um pouco mais com todos os actores negros talentosos que temos no país.

Jombelek: Que projectos ou iniciativas gostaria de ver surgir para apoiar a diversidade e permitir-lhes brilhar internacionalmente?

Joaquim: Oferecer formação gratuita a argumentistas, realizadores e produtores... é esse o conceito da escola Kourtrajmé.

Eventos como "les talents en court", onde jovens escritores podem apresentar os seus projectos a produtores e emissoras. Criar parcerias com festivais estrangeiros é o que a Brown Sugar já está a fazer com o "Brown Sugar Short".

Lembro-me que a primeira edição foi ganha pelo filme "Pema" de Victoria Nieto, protagonizado pela talentosa atriz Lorena Masikini. O filme está atualmente a ser exibido nos voos da American Airlines.

Durante a rodagem dos filmes, deveria haver mais patrocínios para que os jovens que desejam entrar no mundo do cinema possam também receber formação nos cenários. É o que Altesse Seinzor, um realizador congolês, está a planear fazer no Congo para a rodagem da sua próxima longa-metragem "Semence" no Congo (Brazzaville). E, claro, gostaria de ver mais projectos em série como EKI, Mindset, Ewusu ou longas-metragens como Saloum, Simplesmente Negro e Eterno. Precisamos de redescobrir a mesma emulação que vimos nos Estados Unidos nos anos 70 com o Blaxploitation.

Entrevista de Johanne Elie Ernest Ngo Mbelek, também conhecido por Jombelek Paris (França), domingo, 26 de janeiro de 2025.


Gostou deste artigo? Compartilhe...

comentários

Deixe um comentário

Seu comentário será publicado após validação.